sexta-feira, 17 de outubro de 2008

ARTE DE ENSINAR E APRENDER COM PESSOAS ESPECIAIS


Em 1995 fui convidada para lecionar música no Centro de Atendimento Educacional Toque de Araraquara. A escola atende pessoas com deficiência física, mental, auditiva e visual com idades de 10 a 43 anos, ressaltando que essas pessoas são atendidas desde que estes problemas estejam ligados ao fator mental. Aqueles que não ouvem e não enxergam, mas tem capacidade de desenvolvimento mental vão para escolas normais.

Outros atendimentos: alunos com dificuldade no aprendizado, ou seja, que frequentam a escola comum, mas não conseguem acompanhar o ritmo de aprendizagem dos outros alunos, necessitando de acompanhamento profissional especializado.

Os grupos ficam estabelecidos de acordo com o tipo de deficiência, idade cronológica e nível de desenvolvimento. A partir daí são formadas classes com crianças e adolescentes com Síndrome de Down, paralisia cerebral , atrasos neuropsicomotores de desenvolvimento e outros.

Áreas trabalhadas: Língua Portuguesa, Matemática, Estudos Sociais, Ciências e Saúde, Inglês, Atividades da Vida Diária e de Vida Prática, Educação Física, Computação com Software Educativo, Cozinha Experimental, Oficinas Pedagógicas, Esportes, Massagem, Yoga e Do-in, Nutrição, etc.

Corpo Docente : Possui Psicopedagogas e Pedagogas habilitadas em Educação Especial formadas pela UNESP que colocam em prática a filosofia educativa da abordagem ecológica em que é incentivado e promovido o intercâmbio entre indivíduo e comunidade, num processo de constante interação.

Mesmo com uma estrutura física excelente, faltava ela: MÚSICA!!!


Iniciei com uma reunião para os pais dos alunos, explicando a importância da música na vida de todas as pessoas e me compromentendo a fazer um trabalho dígno e responsável, integrando seus filhos no mundo mágico dos sons.


Primeiramente me inteirei de cada caso clínico. Então comecei a fazer testes com cada aluno individualmente, para saber das limitações físicas e mentais. Para cada grupo formado, criei um material específico, e com o tempo fui desenvolvendo outros. Por exemplo: Síndrome de Dow, alunos que tinham um desenvolvimento melhor de aprendizagem, as partituras eram normais, não necessitando o uso de cores para distinguir as notas; Deficientes Auditivos com deficiência mental leve, também usavam o mesmo material. Os demais aprendiam em partituras

e cartazes coloridos. Ressaltando que o melhor método aplicado é: Amor, Carinho, dedicação e Paciência!

Após seis meses de trabalho, fizemos nossa primeira apresentação em palco. As canções eram simples mas maravilhosamente interpretadas por todos os alunos, emocionando não só os pais, mas toda a platéia. Foi minha primeira e inesquecível vitória, ou melhor, minha e principalmente deles que mostraram capacidade!

A partir daí, não paramos mais. O grupo foi evoluindo a cada dia. E cada dia, eu aprendia mais com eles. Era uma troca maravilhosa.

Decidi então formar um coral. Como qualquer começo foi difícil. Nossa, meu Deus! Mas nos divertíamos muito com os erros e acertos. Era uma festa e ao mesmo tempo uma responsabilidade muito grande. O grupo foi ficando afinado. Então reparei nos outros alunos, que ficavam apenas assistindo e senti a alegria que eles transmitiam ao ouvir os colegas cantando. Tive uma idéia. Introduzi os alunos com Encefalopatia crônica não progressiva, mais conhecida como paralisia cerebral, com deficiência física leve a grave. Para os que não possuiam a fala como meio de comunicação, criei pranchas com símbolos ou fotos, focados nas músicas que estávamos ensaiando. Outros que possuíam comunicação restrita, indicando gestualmente apenas sim ou não, faziam a coreografia.

Nascia o Coral Toque! Participamos de inúmeros eventos! Um sucesso!

Depois disto, formei a banda rítmica!

Com o passar do tempo, convidei meu querido amigo Luys Rosário, para ensinar violão. Lembrei que ele ensinava um aluno com deficiência mental leve, e não tive dúvidas. Entraria o violão também. Gente, foi maravilhoso!!!

Bem, nessa altura, já éramos "famosos"!!!

Artes Plásticas, Dança, Exposição de Artes, o grupo foi se desenvolvendo ainda mais!!!

E o teatro? Porque não!!!

Cinderela Brasileira - é uma peça adaptada da história infantil "Cinderela". O tema foi sugerido pelos alunos da escola a partir das atividades de leitura e escrita desenvolvidas no processo de alfabetização. Com o tema definido, os alunos selecionaram os personagens que gostariam de representar. Cinderela por exemplo, pode ser interpretada como a pessoa que, para conquistar seu espaço e seus sonhos, precisa lutar e trabalhar muito, enfrentando as dificuldades da vida cotidiana.

Foi convidado para dirigir a peça o amigo Alvaro Alves Filho, diretor de teatro do Sesi de Araraquara. Para ele também foi um desafio, que deu certo.

A coreografia ficou por conta da amiga Magali Miranda.

A trilha sonora, inédita, criada por Luys Rosário.

A direção musical assinada por Maria Cristina Dantas. Eu mesma!

As diretoras da escola, Marcia Pizzone e Marilei Bolsoni Machado, criaram então o "Grupo Especial de Teatro Integrar, formado pelos alunos da escola.

A peça estreou dia 7 de dezembro de 1998, no teatro do Sesi de Araraquara.

Nasce então Grupo Integrar, e com ele, a saga da peça Cinderela a Brasileira, que mostrarei na próxima postagem.

Em 1999, fomos convidados a apresentar a peça no programa Cantinho Excepcionalmente lindo, na Rede Globo. O convite foi feito pela própria Xuxa. Imaginem só a loucura que foi!!!

A cada ano uma nova peça é encenada, e com trilha sonora inédita, composta por Luys Rosário.


Detalhes: a Escola Toque, passou a denominar-se: Centro Educacional e Cultural Toque, até o final de 2007. Hoje, Fundação Toque.

Sinto orgulho por todos os alunos e professores, plantei uma sementinha, que germinou e foi crescendo e se desenvolvendo. Acreditei, lutei, confiei na capacidade deles e me doei de corpo e alma, para o sucesso dessas pessoinhas que até hoje, são especiais para mim.





quinta-feira, 9 de outubro de 2008

O INÍCIO

Todos me perguntam até hoje: Como foi o início da sua trajetória? Por que ensinar pessoas com deficiências, se com os alunos "normais" voce teria um retorno mais rápido, e menos trabalhoso?
Lecionava no Conservatório de Dança e Música Villa Lobos em Araraquara, quando fui procurada por um amigo pedindo que desse aulas para seu filho, pois ele adorava música e queria aprender a tocar teclado. Na época estava sobre-carregada de trabalho, lecionando também em minha residência, vários recitais marcados, viagens, além de problemas particulares para resolver. Pedi que levassem o menino ao conservatório e procurassem uma das professoras para atendê-lo. Levaram. Que decepção! Que vergonha!
"Mas é um excepcional! Sinto muito, mas crianças como seu filho servem apenas para bater lata. Dê a ele uma lata qualquer e um pauzinho, pois ele não tem condições de aprender nada."
Quando tomei conhecimento do fato, me senti envergonhada por existirem pessoas tão mesquinhas e preconceituosas.
Chorei e depois me revoltei com tanta insensibilidade.(...)
Resolvi fazer o teste com o garoto e que surpresa quando vi suas mãos sobre o teclado, na posição correta e seus dedinhos deslizando pelas teclas com classe e leveza, após uma única explicação. Em apenas uma aula, ele assimilou o dedilhado correto. Fiquei tão emocionada que chorei junto com o pai.
Decidi encarar o desafio: provar que é possível ensinar pessoas especiais, e integrá-las no mundo da música. Comecei o trabalho em minha residência. Por falta de material específico para o ensino desenvolvi um método pedagógico próprio. Baseada na Psicologia Experimental, disciplina fundamentada na experiência, de Gustavo Fechener e Wlheim Wundt, criei uma apostila com desenhos e notas musicais para serem coloridas, além de cartazes e xerox de partituras com tamanho ampliado e adaptados. Isso tudo com a ajuda de minha filha Ligia que na época tinha 14 anos de idade. Estudande de órgão e teclado possuía todas as habilidades que eu necessitava para o trabalho.
Meu primeiro aluno foi o Fernando , portador da Síndrome de Donw. Em seguida vieram outras, com deficiências visuais, auditivas, físicas, mentais em intensidades diferentes, e as síndromes raras, que até hoje são um desafio.
As notas foram ensinadas através de cartazes coloridos. Primeiro o dedilhado, com a mão direita, subindo e descendo as escalas, sempre cantando os nomes das notas. Depois os acordes, com a mão esquerda, usando sempre a voz para fixar as notas. Depois as duas mãos juntas. Tudo aliado a ritmos e compassos musicais. A maior dificuldade é a leitura das notas musicais em sequência, mas com paciência e dedicação eles conseguem.
Com a divulgação do meu trabalho fui procurada para lecionar em uma escola particular para pessoas especiais. Centro Educacional TOQUE. E foi lá que meu trabalho se desenvolveu de maneira incrível e acelerada.
Mas isto eu conto na próxima postagem!
Beijos musicais!!!

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

OS MISTÉRIOS DO CÉREBRO

Uma das características mais fascinantes do cérebro humano é a capacidade de abrigar habilidades impressionantes e deficiências na mesma pessoa.

O programa de Tv da CBS ( 60 minutos ) apresentou há tempos atrás a história fantástica do menino de 8 anos Rex Lewis que mora em Los Angeles.

O garoto nasceu com um tumor no cérebro e aos 4 meses de idade os médicos descobriram que ele era cego. Não aprendeu a andar nem falar como as outras crianças e tornou-se autista com hipersensibilidade nas mãos. Até hoje não consegue ter uma conversação elementar.

O pai lhe deu de presente um teclado quando fez aniversário de 2 anos. O teclado foi uma descoberta inesperada. Tocar nas teclas parecia que o transportava para outro mundo. No primeiro dia começou batendo com as mãos nas teclas de qualquer maneira, mas aos poucos ia tocando corretamente em cada tecla e ficava fascinado com cada som que escutava, contava sua mãe.

Tocar era a primeira coisa que ele queria fazer logo pela manhã. Passava horas e horas distraindo-se e prestando atenção às notas que saiam de cada tecla e não demorou muito para tocar de ouvido alguns trechos de canções.

A mãe pediu ao diretor de música de sua igreja que ensinasse alguns conceitos musicais a Rex e o garoto aprendeu rapidamente as escalas musicais. Aos poucos também conseguiu melhorar sua coordenação motora.

O professor de Rex conta que no estágio atual consegue tocar parte de uma obra de Schubert após tê-la ouvido pouquíssimas vezes.

Não obstante ele não consegue se vestir sozinho, a mãe tem que guiá-lo quando anda, dizendo para ele ir ora para a esquerda ora para a direita, mesmo assim ainda erra a direção. Na escola para crianças especiais não consegue aprender os conceitos mais simples.

O repórter da CBS fez um teste com ele, cantando uma canção que o garoto não conhecia; imediatamente o garoto a reproduziu corretamente no teclado.

Alguns cientistas acreditam que todos nós podemos desenvolver habilidades excepcionais, mas por algum motivo isso não acontece.

Outros acreditam que umas partes do cérebro se desenvolvem mais para compensar a deficiência de outra e o resultado são esses paradoxos como é o caso do menino Rex.

De qualquer maneira a música foi fundamental na vida dele.



Esse caso do menino Rex, me reporta ao passado. Antes de iniciar um programa socio-cultural com pessoas com deficiências, assisti a uma reportagem que contava a história de um menino autista. O pai um conceito cientista japones, cujo maior sonho era poder se comunicar com o filho, tentou todos os caminhos, consultou os mais renomados médicos, mas de nada adiantou.

Um dia passeando com o filho pelo parque, ficou surpreso ao ouvir o menino assoviar, reproduzindo o canto de um pássaro. No outro dia repetiu o passeio e novamente o garoto assoviou, imitando o canto de vários pássaros, mas quando chegava em casa, o menino voltava ao próprio mundo.

O pai então comprou vários discos, com cantos de pássaros e o menino ouvia fascinado, reproduzindo os sons corretamente.

Certo dia o pai conduziu o filho ao piano que se encontrava na sala. O garoto começou batendo nas teclas de qualquer maneira, até que descobriu o som de cada uma delas. Passou a bater mais lentamente, prestando atenção em cada som.

Com o passar do tempo o menino passou a tocar músicas que não eram conhecidas. O pai então começou a gravar o que o filho tocava, e depois colocava para que ele ouvisse. E assim foi, até que o pai convidou um maestro amigo da família para ouvir o que o menino compunha. O músico ficou maravilhado ao perceber, que o menino estava compondo uma peça inteira, que os trechos que o pai gravava eram sequenciais. E foi através da música que o menino começou a se desenvolver, a fazer parte do mundo familiar e social.

O menino cresceu e se tornou um dos maiores compositores da música erudita do japão.



A partir dessa reportagem, decidi que me dedicaria de corpo e alma ao projeto de inclusão e integração das pessoas com deficiências no mundo mágico das artes.